domingo, 22 de abril de 2012

Meia noite em Paris, ou no Rio de Janeiro

Desde que assisti ao filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen, que fico sonhando com esta experiência, em variados lugares no Brasil. Quando fui à Diamantina, no ano passado, ficava andando à noite pelas ruas de pedra daquela cidadezinha mágica, imaginando que ao soar das doze badaladas do sino da igreja, veria passar por mim o Comendador João Fernandes ou a bela Xica da Silva, para reuniões secretas que agitavam as mudanças que aconteciam naqueles cantos de Minas Gerais no século XVIII. Sonhei com isso todas as noites em que estive passeando pelas cidades históricas.

Enquanto assistia ao filme, traçava, em minha cabeça, paralelos com o centro da cidade de São Paulo, imaginava os modernistas na década de 20 se reunindo, bebendo, conversando, tramando o evento do Teatro Municipal. Vislumbrava a beleza abandonada e triste do centro velho da metrópole, tão charmoso, com tanta intimidade resguardada em suas calçadas.

A mesma sensação tive nos últimos dias, enquanto lia o livro de Paulo Lins, "Desde que o samba é samba". A trama se passa nos anos 20, no Estácio, Rio de Janeiro, período logo após a Revolta da Vacina e a campanha de "limpeza" da Cidade Maravilhosa, expulsando para os morros tudo o que poderia "manchar" o cartão postal da cidade. Curiosamente, é no morro que a identidade deste cartão postal brasileiro se constrói, da mistura do Candomblé, da capoeira, da Umbanda que está surgindo como religião que reúne os saberes de todos os povos, da malandragem da zona, da mistura do lundu e do jongo com a polca e o maxixe. Este é o palco do livro de Paulo Lins, que nos conduz, entre ficção e história, pelas composições de Ismael Silva, pelas armações de Francisco Alves na compra das parcerias com os compositores do morro, pelas festas perseguidas pela polícia, e até aos intelectuais paulistas que encontravam na música recém-inventada aquilo que desejavam em seus manifestos.

Fui lendo e repassando em minha cabeça os poucos caminhos que conheço na cidade do Rio, alguns endereços famosos - imortalizados nas letras dos sambas -, algumas histórias que viraram lenda, e imaginando como seria aquele tempo, como tudo aconteceu. Um passeio que na verdade iniciei com outro livro, "Mandingas da mulata velha na cidade nova", do mestre Ney Lopes, que conta do período anterior a este: a chegada dos baianos à capital do país, e a constituição das primeiras comunidades negras, forras, na mistura de filhos de santo e de Maomé, com segredos de cozinha e de santo, embalados com muita música e magia.

Os dois livros são como mitos contados por griôs contemporâneos, mitos de um tempo e um lugar que parecem não ter passado: estão lá, fechados em uma caixinha, à espera daqueles que têm a chave para entrar neste mundo.

Da próxima vez que eu for ao Rio, vou ficar esperando o carro passar depois das badaladas da meia noite... quem sabe tenho sorte.

***

Em tempo: a coleção Ponta de Lança, da editora Língua Geral, é simplesmente deliciosa! O livro do Ney Lopes é apenas um dentre uma seleção de autores lusófonos contemporâneos, com edições muito belas, e textos saborosíssimos. Confesso que comprei o primeiro pela edição, mas já perdi a conta de quantos títulos li!

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