quarta-feira, 7 de setembro de 2011

passagens a limpo

O fim já se anunciava, ambos sabíamos disso, e evitávamos falar disso. De minha parte, o medo da constatação me paralisava, e eu assumi, durante um tempo, o peso da tristeza, do desencontro, do silêncio, até da humilhação - que eu só fui reconhecer depois.

É impressionante como, em nome da manutenção de um suposto amor, a gente vai ao limite da nossa dignidade. Ligações perdidas, mensagens sem resposta, esperas infindáveis.

Naquele dia, eu chorei, me questionei, me culpei, lhe perdoei. Retomando a tradição das mulheres que desesperadamente se auto-obrigam a manter um casamento, mesmo em pleno século XXI, lá fui eu pra cozinha. Um belo e trabalhoso jantar, com sobremesa, um bom vinho, e velas à mesa. Mesa posta, banho tomado, casa perfumada. Se alguém me contasse alguns anos antes que eu, aos 24 anos, faria isso, eu responderia... com uma bela gargalhada!

Mas... o relógio avançou as horas, muitas horas... eu, cansada de lhe esperar, fui dormir, chorando, e acordei quando você chegou. Ainda ouço seu susto, ao abrir a porta da cozinha, e deparar-se com a cena. Eu acredito que ainda havia algum carinho por mim, quando você vacilou entre ignorar o preparo e dormir na sala, ou me acordar para jantarmos juntos. Acordou-me, delicado, num sussurro de desculpas. Conduziu-me à mesa, aqueceu a comida, acendeu as velas, serviu o vinho. Tentou ser afável, elogiou qualquer coisa, fez comentários vazios sobre o dia. Não me recordo do sabor da comida, nem sei dizer se eu realmente comi alguma coisa, se bebi. Havia ali um autômato, que entendera - ainda que sem muita clareza - que fazia papel de tola, que nada daquilo devia estar acontecendo. Éramos dois estranhos compartilhando uma refeição sem sentido.

Na manhã seguinte, uma carta sua, de próprio punho, tentava esquivar-se dos (não)acontecimentos das últimas semanas. A culpa por toda aquela situação, se é que ela existia, seria do tempo, da rotina, do inevitável. Sua covardia não lhe permitia dizer com todas as letras o que realmente acontecia, e relegava a mim encontrar explicações - eu talvez fosse capaz de explicar. Eu, ingenuamente, ainda as procurei, e carreguei-as comigo, durante alguns dias. Será que todas as mulheres do mundo caem nesta armadilha, ao menos uma vez na vida? Lamentável.

Este foi o início do fim de uma história que talvez nem devesse ter acontecido, e o começo de um tempo que só fora adiado, e que eu vivo hoje intensamente.

Curioso como acordei com esta cena clara, vívida na minha memória, justo hoje, 7 de setembro. Uma data quase vazia de significados, e que a gente insiste em ressimbolizar. Talvez porque, naqueles já distantes dias de outubro de 2007, eu também construía, aos trancos e barrancos, a minha independência.