quinta-feira, 31 de maio de 2012

O chão me falta sob os pés.
Náusea, enjôo, asco.
Raiva.
Procuro por piedade e compreensão da falha humana, mas não consigo.
Essa é uma das minhas muitas falhas. Talvez alguém consiga me compreender e me absolva.
Enquanto mantenho a casca por fora, desmorono por dentro.
Ódio.
Porque o mundo é tão errado?
Porque o ser humano se multiplica a partir da fórmula errada?
Esforço-me para pensar em coisas boas, mas não consigo.
Náusea, choro, insônia.
E a constatação de que o mundo conspira a favor do erro.
Gracejo fora de hora.
Náusea, náusea, náusea.
Impotência.
Embaixo do meu nariz.
É preciso ter piedade.
Mas eu não me convenço disso.
A arrogância humana também me toma e me corrói.
Um erro justifica o outro, é sempre assim.
Náusea, enjôo, olhos marejados.
E a esperança de que uma noite de sono ao menos amenize o impacto.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sinal fechado

Sábado à noite. Como se já fosse uma regra dessas que a gente não consegue quebrar, estávamos - ligeiramente - atrasados. O trânsito desta cidade louca, que não tem mais hora nem dia, quase nos fez perder o compromisso.

Entro no carro, sabendo que o meu medo nos fez atrasar ainda mais: eu poderia ter ido direto de metrô à Estação da Luz, mas não consigo andar sozinha à noite naquele trecho, e fui esperá-lo na República. No sinal vermelho, paramos o carro e daí me dou conta - um pouco tarde - que as duas janelas estão abertas. Eu tenho vergonha do medo que tenho da cidade, mas não consigo evitá-lo.

No rápido tempo do farol fechado, um morador de rua nos aborda. Já que não dá para subir o vidro, acendemos a luz interna. O rapaz faz menção de pedir algo mas, surpreso com a luz acesa, olha para dentro do carro.

- Nossa, vocês formam um casal muito bonito. Verdade mesmo, Deus que proteja!
- Obrigado.
- Vocês não tem algum aí, uma moedinha, qualquer coisa?


Procurou no console, mas não tinha nada. Tentou de novo, e encontrou uma medalhinha de Nossa Senhora, provavelmente comprada em algum outro sinal fechado. Meio sem graça, ofereceu ao moço, do lado de fora.

- Puxa, só tenho esta medalhinha aqui, nenhuma moeda... você... você quer?


O rapaz aceitou a medalhinha num misto de surpresa e gratidão. Olhou-a contra o céu, sorriu, desejou-nos boa noite e disse que aquilo era melhor do que uma moeda. O sinal abriu, seguimos em frente, e já nem nos lembramos de fechar as janelas.

As possibilidades de encontro nesta cidade maluca são tão improváveis e inusitados, que eu fico pensando que sempre, sempre posso me surpreender.

terça-feira, 22 de maio de 2012

A celebração do samba

Algumas experiências são difíceis de serem relatadas. A gente é tomado por tantos sentimentos, que qualquer tentativa de objetividade empobrece a experiência.

Fui assistir ao lançamento do novo cd do Quinteto em Branco e Preto no último sábado. Assistir não é a palavra correta; fui participar. Sim, participar, porque o samba, quando é bem feito, quando é verdadeiro, ele é um convite à celebração, e esta nunca é passiva.

Chegamos, eu e família, em cima da hora (só pra variar), e tivemos pouco tempo para nos acomodar, já que perdemos os lugares originalmente escolhidos, lá no burburinho. Casa cheia, ingressos esgotados, as comunidades todas presentes - delícia ver o Auditório Ibirapuera ocupado assim. Uma atmosfera de alegria e orgulho pairava no ar: todo mundo veio celebrar junto.

O recado vem logo no início, anunciando que o futuro de glória destes meninos já chegou. As músicas dão seu recado, confirmam sua filiação à tradição, reverenciando nossos ancestrais, nossas raízes. Os convidados chegam para legitimar e abençoar esta festa: o grande Sapopemba, as velhas guardas da Nenê e do Camisa Verde e Branco, seu Carlão do Peruche e Fernando Penteado, a Banda Mantiqueira.

E a festa vai esquentando, e a batucada boa, quente, marca registrada nesta história de quinze anos, vai ganhando corpo. O público, comportado em suas poltronas, finalmente se solta, e vai sambar em frente ao palco, no auge da celebração.

Saí de lá feliz, muito feliz. Pessoalmente, por conhecer de perto o trabalho e a dedicação dos meus amigos, e poder ver a colheita de tudo que foi plantado com tanto amor e carinho. Mas feliz também por reconhecer que o meu povo, a minha gente - preta, branca, da periferia, da cidade grande, do terreiro de chão batido ou do apartamento - tem mais uma razão para se orgulhar, para celebrar, e continuar cantando.

Um sambista de verdade
faz samba e não pensa em conquista
sou nascido num terreiro
em São João da Boa Vista
Na hora em que nasci
Mamãe me jogou na pista
"se cair deitado é padre,
caiu de pé é sambista"
Geraldo Filme

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Mas não tem cortina!

Como sempre havia correria, muitas pessoas envolvidas na produção. Equipamento de som, mobiliário de apoio, assentos para o público. Ajustes nos tempos, a entrada do convidado, o percussionista, a delimitação do espaço. O público, já acomodado no entorno, observava a movimentação e aguardava o início da já anunciada narração de histórias.

Em meio a confusão dos adultos - os adultos são sempre confusos - um pequeno, com quase três anos, não mais do que isso, me indaga:

- Moça, já vai começar?
- Ainda não, querido. Daqui um pouquinho, você espera?
- Por que tem que esperar?
- Porque ainda não está pronto... a gente tá arrumando, tá bom?
- E... como dá pra saber que vai começar?
- Ah, você vai saber...
- Mas não tem cortina!

E a gente insiste em achar que as crianças não sabem das coisas...


quinta-feira, 3 de maio de 2012

vem?

se falta doçura, posso buscar mel.
se falta leveza, ficar nas ponta dos pés.
se falta alegria, quero um saco de risadas.

se faltam sonhos, preciso ir dormir mais cedo.
se faltam ideias, tenho uma pilha de livros para pôr em dia.
se falta empolgação, umas vitaminazinhas de vez em quando vão bem.

tá faltando presença no hoje
tá faltando desfrute
tá faltando biscatear

tô procurando companhia.

vem?


Happy Kids Kites

foto de CubaGallery