sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Entre linhas e agulhas, uma mãe e uma filha

Passei um final de semana costurando com a minha mãe.

Passamos três dias às voltas com tecidos, moldes, linhas, aviamentos. Escolhendo modelos, conferindo medidas, adequando a fazenda ao corte escolhido. Eu escolhia, ela ponderava, eu tirava o molde, ela aprovava.

Cortar o tecido é com ela, que faz isso com uma facilidade invejável. Diz que aprendeu a costurar sozinha - eu acho que ela apenas descobriu como costurar, porque no fundo já o sabia. Conferir todas as indicações e receitas é comigo, que, segundo ela, entendo mais rápido, antes de terminar de ler.

Eu cresci vendo minha mãe entre os tecidos e as linhas, a máquina de costura e os moldes, o giz de alfaiate e a fita métrica. Sempre achei este mundo fascinante. Construía minhas casinhas embaixo da máquina de costura, uma Singer pretinha, de pedal, e colocava minhas bonecas para balançar na correia da máquina, com todo cuidado para não desenroscá-la da roda. Dos retalhos, minha mãe fazia roupas de boneca maravilhosas, vestidos de gala, fantasias de carnaval, adereços para a casa - eu tinha as bonecas mais bem vestidas do mundo. E ansiava por conseguir, com as minhas próprias mãos, alinhavar alguns pontinhos tortos e dar forma a uma minissaia ou um gorro para uma das minhas filhas.

Minha mãe me diz que cresceu costurando para nós (eu e meus irmãos), e, mais especificamente, para mim, sua primeira boneca de verdade. Foi do desejo de vestir a bonequinha preta que as mãos foram ficando mais ágeis, os pontos mais precisos, a tesoura mais certeira. Dos retalhos que fizeram roupinhas para ficar em casa, ao vestido de gala da formatura, foram anos de aprendizado e apuro.

Neste final de semana, que ficamos as duas às voltas com este fazer tão familiar e corriqueiro dentro da nossa casa (nossa é modo de dizer; eu já sou visita há tantos anos...), percebi o quê costuramos ao longo destes anos todos. Na relação que construímos, de cumplicidade e respeito, nos descobrimos duas mulheres muito diferentes, em muitos aspectos. São sonhos, desejos, impulsos, escolhas, leituras, que nos posicionam muitas vezes de lados opostos, ainda que em uma mesma estrada. Mas, apesar disso, é como se a linha da bobina, da costura que corre pelo lado de baixo, não fosse nunca cortada: ela segue para lá e para cá, ajuntando os vários retalhos, por vezes quase incompatíveis. Mas isso só é possível porque são feitos da mesma matéria, do mesmo fio, da mesma partida da fábrica.

Adentramos as noites, com o pretexto de costurar, e pudemos ter tempo para confidências, atualizações, consentimentos e considerações. Entre uma e outra escolha, pudemos reconhecer, uma na outra, aquilo que sempre esteve ali, e que faz esta relação tão especial, ao mesmo tempo sólida e delicada.

Uma colcha de retalhos, um patchwork, com várias técnicas envolvidas, com recheio cuidadosamente trabalhado, quiltado com delicadeza, e com as costuras intermediárias rebatidas e reforçadas. Uma colcha daquelas feitas para durar a vida toda, com alguns remendos, claro, e ser repassada para os filhos, e os filhos dos filhos, e os filhos dos filhos dos filhos...

Acho que entendi porque gosto tanto de linhas, agulhas, tecidos e tramas.



terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Suspensão

Rio Paraguassu
Originally uploaded by canecalon



















Eu fugi.
Uma semana de suspensão no tempo.
Atendi aos chamados, os tambores cá fora, os tambores cá dentro.
Outro ritmo, outro tempo, quase outro mundo...
Parar, ouvir, me ouvir.
Entender o que se passa comigo, escapar do turbilhão daqui.
Tinha chamado sério...
Obedeci.
Agora voltei.
Até Oxalá sabe quando...