quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A perfeição

O que me tranquiliza é que tudo o que me existe, existe com uma precisão absoluta.

O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete, não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível.

O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.

Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

Clarice Lispector, A descoberta do mundo.


Recebi este trecho de um amigo muito, muito querido, num momento de balanços difíceis na vida. E cada vez que o leio, faz um sentido diferente para mim. Obrigada, Chris.


Obrigada, 2011.

Foi, mais uma vez, um ano intenso. Como sempre, aconteceram muitas coisas, boas e ruins, e, graças ao bom Deus, o saldo é positivo.

Um ano para me encontrar com esta cidade, e me reconhecer nela. "Na dura poesia concreta de suas esquinas", no silêncio das maldades diárias, na beleza da gente que lota as ruas ricas e pobres, na fartura de cultura, na escassez de moradias. Reconheço-me, em todas estas variáveis.

Um ano em que muita gente foi embora, às vezes sem tempo de despedida. Tempos de saudades novas e saudade antiga, que doeu de um jeito que há muito não doía. De despedidas que se prolongaram ao longo dos meses, de forma dolorida, mas também tranquila.

Ano de conhecimentos e reencontros também. Com extrema alegria, abençoados por dona Iemanjá no dia 2 de fevereiro. Com tristeza sem tamanho, onde nem o perfume das flores poderiam aliviar o pesar. No acaso, no metrô ou numa esquina, ou ainda num comentário das redes sociais.

Ano de planos desfeitos, adiados para o outro ano que se inicia. De caminhos refeitos, para voltar ao ponto de partida, antigamente equivocado. De conquistas, algumas partilhadas, outras de foro tão íntimo, mas tão intensamente festejadas!

Um ano em que vivi o amor, livremente, em nome de mim mesma. Busquei a verdade, a intensidade, o sagrado entre dois corpos, dois espíritos, dois seres. Algumas vezes encontrei, noutras me decepcionei. Vivi, com a minha verdade. Encontrei o prazer, o carinho, a cumplicidade. A beleza e a alegria.

Ano de encerrar ciclos, alguns que erravam há tempos aguardando o seu fechamento, outros mais recentes, mas igualmente encerrados. Ano para perdoar, a mim e a quem aguardava pelo meu perdão - que o orgulho não me permitia fazê-lo, em ambos os casos.

Ano de estrada, de viagem, de descobrir e reaver caminhos. Eu segui por alguns deles, e outros vieram até mim, trazendo bagagens que eu já havia carregado - e tinha me esquecido.

Um ano em que algo dentro de mim mudou, e me faz sentir, de alguma maneira, mais velha - ainda que a moça do caixa peça meu documento para autorizar a venda de bebida alcoólica, e um moço gentil tenha me dito que aparento apenas 20 anos (sem os óculos de cdf). Em que percebi meus pais mais velhos, meus compadres mais velhos, e as crianças crescidas demais. Ano do retorno de Saturno.

Um ano em que o imponderável se fez presente, e eu tive de aprender a lidar com ele. Em que o ritmo alucinante da cidade quase me engoliu, mas eu resisti - eu acho.

Obrigada, 2011.



quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pra uma amiga muito, muito querida

Querida, querida, querida,

eu queria poder, de alguma maneira, fazer sua a minha dor. Mas sei que isso não é possível. Cada um de nós sabe o tamanho e o espaço que ela ocupa dentro da gente.

Mas posso ser solidária, e dizer que estou aqui, sempre, em tempo integral. Sempre estive, apesar da distância, dos silêncios, dos desencontros da vida.

Posso lhe dizer que essas dores imensas não se curam, não passam, como costumam nos dizer para nos acalmar. Mas posso lhe assegurar que ficam mais tênues. Transformam-se em saudade. Uma saudade que às vezes aperta o coração, mas que é suportável. Vai ficando suportável, com o passar do tempo.

Sei que você deve estar achando o mundo sem horizontes, a vida sem gosto, o coração sem desejos. Só o tempo, querida, só o tempo muda isso.

Mas tenho que lhe dizer que um dia, tudo isso passa. Quando a gente menos espera, o sol volta a brilhar, o coração volta a seus quereres, o mundo fica saboroso. Primeiro aos pouquinhos, depois intensamente. Haverá dias em que a gente pensa voltar lá pro começo da história, mas retorna pro presente, depois de alguns dias.

Permita-se. Ficar triste, ter raiva, desafiar o mundo, brigar com Deus. Até Ele entende, e perdoa. Trancar-se em casa, não atender ao telefone, não falar com ninguém. Tá tudo certo. Felicidade fingida, pra agradar aos outros, não existe. Quando cicatrizar, as coisas vão voltando para o lugar, aos poucos.

Eu fiquei anos sem rezar. Até que um dia, tive vontade. Simples assim.

Minha linda, minha querida: sonhei que brigávamos, por alguma bobagem, como sempre, por teimosia de ambas, só pra variar. Mas, nesta briga, éramos as mesmas meninas de dez anos atrás, que se entendiam apenas com uma troca de olhares, e confidenciavam as tristezas e alegrias sem sequer uma palavra. Que compartilharam medos e descobertas, numa época encantada. Sei que a dor que você sente hoje tem raízes nesta época, e por isso me sinto no direito de compartilhá-la contigo.

Um novo ano se inicia, minha querida. Que ele venha, com tudo o que merecemos.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Eu te desejo.
Louca e intensamente.
Sonho, dormindo e acordada, com este êxtase.
Seus olhos dentro de mim.
Sua boca encontrando a minha, o leve estremecer do encontro.
As respirações, que se harmonizam, se equalizam.
O mergulho.
Suas mãos, percorrendo meu corpo.
O desejo, percorrendo meu sangue.
A entrega.
O meu pensamento, que se descompassa.
O seu pensamento, que nos reencontra.
A minha cabeça, que gira.
O seu corpo, que se torna meu.
Conduz-me, inteiramente, a esta viagem.
Percurso de prazer, loucura, êxtase.
Quando os corpos deixam de ser, de estar ali.
Energia, luz, vibrações.
Cheiro, gosto, tato.
Explosão contida.
Prazer.



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Leituras equivocadas

Desencontros.
Desentendimentos.
Sinais errados.
Leituras equivocadas.

Por que demonstrar carinho te ofende?
Por que só aceitar quando vem vazio?
Por que tanto medo?

Das suas inseguranças, você faz matéria para ofensas.
Dos seus fantasmas, você produz assombrações.

A cada movimento de aproximação,
dois de repulsa.

Agressão não é afeto.
Grosseria não é carinho.

Que segurança é esta que buscas no escuro?
Por que insistir em manter as carapaças?

Eu admiro a sua beleza.
Eu admiro a sua inteligência.
Eu admiro o seu humor refinado.

E apenas lamento que, ao tentar lhe demonstrar carinho, você tenha feito tantas outras leituras. Lamento que para você seja tão difícil aceitar que alguém possa gostar de você, sem nenhuma outra intenção. Apenas gostar.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

***

Você faz tudo do seu jeito.
Seu tempo, sua vontade, seus desejos.
Eu espero, aguardo, tenho paciência.
Você vai, volta, congela o tempo.
Eu, pacientemente, justifico cada ato.
Você me coloca na vitrine, bem no fundinho, pra ficar lá e ninguém me perceber, feito estoque, à espera.
Eu... canso da brincadeira, que ficou chata.
Vou embora.

Você resolve voltar, assim, de repente.
Eu deveria estar lhe esperando.
Deveria?
Você tem desejos.
Eu deveria tê-los também, na mesma direção.
Ãhn?
Você procura por mim, na prateleira...
Ha!

Eu sou intransigente.
Eu sou difícil.
Eu não tenho bom senso.

Eu sou rancorosa.
Eu não sei perdoar.
Eu não quero te dar outra chance.

E você...
Você não tem nada a ver com isso.
Como sempre.

Foi só um pisão no pé.