sexta-feira, 27 de maio de 2011

ninguém vê

A falta de olhos, o quanto não se vê, o que se escolhe enxergar nesta cidade é coisa para mim impressionante. Juro que não consigo - e espero nunca conseguir - acostumar-me.

Segunda-feira, 23 de maio de 2011, 14h30 da tarde. Estou andando pela Rua das Palmeiras, em direção ao corredor de ônibus, quando uma movimentação de carros de polícia, e policiais, me chamam a atenção. Sou ressabiada, e quando vejo este tipo de movimentação, fico preocupada. O que fazem tantos policiais na rua a esta hora, em plena luz do dia? Sigo caminhando, olhando para todos os lados, procurando olhares cúmplices no meu receio, mas não encontro. As pessoas seguem caminhando normalmente, absortas em seus caminhos, sem notar o que acontece.

Chego à Avenida São João, e consigo visualizar a cena toda: as viaturas policiais fazem escolta para um caminhão pipa que lava a calçada embaixo do Elevado Costa e Silva. Limpeza urbana no meio da tarde de segunda-feira? Escolta policial? Pra quê?

Um pouco à frente, a ingênua aqui entende o todo: fortes jatos de água "limpam" a cidade de sua sujeira. De seus lixos. De seus dejetos. Daquilo que deve ser varrido para baixo do tapete, longe dos olhos. Um caminhão vai à frente, recolhendo os poucos pertences daqueles que vivem embaixo do Elevado. Uma kombi, um pouco mais adiante, dá suporte a um time de funcionários da limpeza urbana, que abordam os moradores de rua: um grupo com cerca de 8 homens cerca uma pessoa, que dormia, e, atônita, tenta entender o que se passa.

A eficácia da limpeza é tamanha que não se aplica ao trecho da calçada onde se localizam os pontos de ônibus. A "tropa da limpeza" pula o ponto de ônibus, e avança para o próximo trecho. O caminhão pipa continua despejando água, mangueira com jato forte, avenida em frente. Água, aliás, que deve estar fazendo falta em algum bairro da periferia, que já vive o racionamento diariamente.

Quando dou por mim, caminhei para além do ponto onde esperaria meu ônibus, acompanhando a cena toda. Os policiais caminham com aquele andar seguro e tranquilo de quem está cumprindo seu dever. As pessoas que atravessam a rua, cruzam a calçada central sem se deter na cena. Eu fico meio perdida, tentando ver para onde vão os moradores, mas estou bem atrás do grupo de funcionários que faz a abordagem.

Entro no ônibus, fico próxima à janela, para continuar vendo. Eu imagino que mais à frente haveria um carro da assistência social, mas me engano. Não vejo nenhum. A tropa da limpeza emperra o trânsito, e os ônibus são obrigados a sair do corredor para desviar dela. O motorista resmunga qualquer coisa, o cobrador faz uma piada infeliz sobre o destino daqueles que estão sendo desalojados. Um homem diz que aquilo é uma vergonha para São Paulo - eu me pergunto qual seria a vergonha: a existência daquelas pessoas, sua situação, ou a cena que estamos presenciando, mas não tenho ânimo para formular a questão em voz alta. Olho para as pessoas que estão sentadas próximas às janelas, e não vejo ninguém interessado no que acontece lá fora: duas moças conversam animadamente, um rapaz regula seu mp3, a maioria olha para a frente.

Chego em casa e procuro na internet alguma notícia ou menção à ação que assisti. Encontro apenas uma nota de um coletivo de artistas, que realizou uma intervenção no mês passado para impedir a mesma ação. Apenas esta nota. Nada nos jornais, blogs, ou no site da prefeitura, sptrans ou coisa que o valha.

Ontem, conversando com um colega, descobri que ele circulava por ali no mesmo horário que eu. Perguntei se viu alguma movimentação estranha, e ele negou. Quando contei o que vi, ele comentou: "é mesmo, os ônibus estavam lentos em um trecho da São João, mas eu nem vi o porquê."

É assim. Isto é o que mais me assusta nesta cidade imensa e complicada. Ninguém vê. Nada nem ninguém. Nunca.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Abdias do Nascimento: Brasil perde pioneiro na militância contra o racismo

fonte: Fundação Cultural Palmares

http://www.palmares.gov.br/?p=12027

terça-feira, by Daiane Souza
Foto: Divulgação / Blog Do Olhar NegroFoto: Divulgação / Blog Do Olhar Negro
Abdias do Nascimento
Por Daiane Souza*

O Brasil perdeu nesta terça-feira, 24 de maio, um de seus maiores líderes: Abdias do Nascimento, um dos pioneiros na luta contra a discriminação racial. Aos 97 anos, o ativista na denúncia do preconceito e na defesa dos direitos dos afrodescendentes pelo mundo não resistiu às complicações cardíacas que o levaram a uma internação no último mês, no Rio de Janeiro.
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Eloi Ferreira de Araujo, expressa gratidão e seu profundo pesar: “estamos enlutados pelo falecimento de Abdias, mas haveremos de continuar sua luta para que o Brasil acabe definitivamente com o racismo, o preconceito e a discriminação racial, e que todos os descendentes de africanos que vivem no Brasil tenham igualdade de oportunidades para que possam acessar os bens econômicos e sociais”.

Abdias, deixa uma legião de seguidores inspirados em sua trajetória de coragem e dedicação aos direitos humanos.

POETA DA IGUALDADE – Nascido em 1914 no município de Franca, Estado de São Paulo, Abdias foi filho de Dona Josina, a doceira da cidade, e Seu Bem-Bem, músico e sapateiro. Embora de família pobre, conseguiu se diplomar em contabilidade em 1929. Aos 15 anos alistou-se no exército e foi morar na capital paulista, onde anos depois se engajou na Frente Negra Brasileira e se envolveu na luta contra a segregação racial.

Dramaturgo, poeta e pintor, atuou também como deputado federal, senador e secretário de Estado, cargo no qual desenvolveu aspectos dessa luta. Autor das obras Sortilégio, Dramas para Negros e Prólogo para Brancos e O Negro Revoltado, relatou nos livros as realidades quilombolas e levantou temas como o pensamento dos povos africanos, combate ao racismo, democracia racial e o valor dos orixás nas religiões de matriz africana.

MILITÂNCIA – Com uma trajetória marcada pelo ativismo, Abdias conseguiu importantes resultados de suas iniciativas na defesa e na inclusão dos direitos dos afrodescendentes brasileiros, principalmente, por meio de políticas públicas. Por exemplo, em 1988, Abdias tornou-se um dos responsáveis pela instituição da Comissão do Centenário da Abolição e por seu desdobramento na Fundação Cultural Palmares.
No mesmo ano, a Constituição do país passou a contemplar a natureza pluricultural e multiétnica, a prática do racismo tornou-se crime inafiançável e, também pela primeira vez, se falou no processo de demarcação das terras de quilombos.

OUTROS FEITOS – A luta do militante não se resumiu aos feitos já citados. Em 1944 fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), entidade que patrocinou a Convenção Nacional do Negro nos anos 1945 e 1946. Na Convenção foi proposta à Assembléia Nacional Constituinte a inclusão de políticas públicas para a população afrodescendente e um dispositivo constitucional definindo a discriminação racial como crime de lesa-pátria.

Como primeiro deputado federal afro-brasileiro (1983-1987) e como senador da República (1991, 1996-1999) dedicou seus mandatos à luta contra o preconceito. Foi responsável por projetos de lei que definiam o racismo como crime e pela criação de mecanismos de ação compensatória para construir a verdadeira igualdade para os negros na sociedade brasileira.

Foi ainda nomeado primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos (1999-2000) e, em 2001, ganhou o prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de Direitos Humanos e Cultura de Paz por seu ativismo.

TRIBUTO – Militantes do Movimento Negro e admiradores manifestaram seu pesar e prestaram homenagens pela morte da liderança:
A luta de Abdias Nascimento foi de uma entrega tal que não se intimidou nem mesmo no início, com um Brasil saído da escravidão havia poucas décadas. Desde então, Abdias virou uma espécie de sinônimo de defesa da igualdade para os afrodescendentes. Nas suas mãos, esta bandeira ganhou o caráter de luta do interesse de toda a Humanidade. Sem esquecer, ainda, que, por mais política que fosse, ele não deixou jamais de ancorá-la profundamente na cultura. Aos familiares, amigos e admiradores, meu abraço solidário”, Ana de Hollanda, Ministra de Estado da Cultura.
“Ele é nosso Zumbi, nosso líder. Foi uma honra ter vivido esse tempo de heróis e ter convivido com esse bravo ser humano. O Brasil e em especial nós – afro-brasileiros –perdemos um dos mais importantes nomes da nossa história”, Benedita da Silva (PT-RJ)
“Um grande brasileiro que teve ao longo de sua vida dedicação e compromisso com a luta em defesa do povo negro, e com a história social e política dos negros. Que não calou no período da ditadura militar.” Senador João Pedro (PT-AM)
“Um gigante na luta contra o racismo” Senadora Marta Suplicy (PT-SP)
“Abdias é um ícone de luta e deixou uma herança de conquistas para nós, povo negro! À sua memória, honramos o caminho de guerra e conquistas que nos deixou com seu ensinamento de combatividade e resistência, para nós que militamos por um país mais justo e igual”, Luiz Alberto, deputado federal (PT/BA)
“Morreu Abdias do Nascimento, um homem que foi tantas coisas que é difícil enumerar e, em todas elas, foi um só: um brasileiro negro, que amou a arte, o conhecimento e as pessoas”, Brizola Neto, deputado federal (PDT/RJ)
“Muito triste com o falecimento do saudoso Abdias do Nascimento! Sua luta a favor da equidade de direitos entre raças é algo histórico! Nós, afrodescendentes, perdemos um grande líder, uma grande referência. O Brasil perde um ser humano fantástico! Descanse em paz, mestre!”, Netinho de Paula, vereador.
“Adeus Abdias Nascimento, Valeu por tudo!”, Jorge Washington, ator do Bando de Teatro Olodum
“O companheiro Abdias da Silva estará sempre presente entre nós, que seguindo seu exemplo de vida, continuaremos a lutar por um mundo sem racismo e contra todas as formas de exclusão, opressão e dominação, como nos ensinou esse mestre”, Flávio Jorge Rodrigues da Silva, Diretor da Fundação Perseu Abramo, militante da SOWETO – Organização Negra, e da direção da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN).
*Colaborou: Denise Porfírio e Maíra Valério.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

outono

faz frio
nas últimas noites, nos últimos dias
céu branco, sem cor
neblina, névoa

faz frio
dentro de mim
sensação de vazio, ausência
paladar sem gosto

sentimento de insatisfação
que nada completa
que nada define
fome, insônia, impaciência
desânimo

eu gostava do outono
quando eu não me sentia
fazendo parte dele

sábado, 14 de maio de 2011

saudades

saudades
das risadas que não ouvi
do sorriso que não se abriu
do choro que não acolhi
do colo que não pude oferecer
das pernas compridas, que não me permitiriam te carregar ainda hoje
das histórias que não contei
das cantigas que não cantei
dos bolos que não fizemos juntos
das bagunças, das brincadeiras

saudades destes seis anos
das letras que estaria ensaiando no caderno
das travessuras que já teria aprontado
e das muitas perguntas, que já teriam me deixado sem respostas

saudades de um mundo que seria diferente
da minha casa que seria outra
da minha vida, que estaria em outro lugar

saudades de você, pequenino
que mora em outro lugar
tão longe de mim
e ao mesmo tempo
tão presente aqui dentro

*para um menino que em apenas 8 meses mudou a minha vida para sempre. E lá se vão 6 anos...